Como é feito o diagnóstico das disfunções da ATM / DTM?

Há um tempo, escrevi aqui no blog sobre o uso de exames complementares no diagnóstico das disfunções têmporomandibulares e um dos mais importantes questionamentos que levantei foi justamente: o que entendemos por diagnóstico? E o que entendemos por diagnóstico de DTM e de Patologia da ATM?

Termômetro: talvez, o grande marco da medicina experimental

Termômetro: talvez, o grande marco da medicina experimental

DIAGNÓSTICO,  do grego  dia=[“através de, durante, por meio de”]+ [gnosticu=”alusivo ao conhecimento de”]

Certamente o que entendemos por diagnóstico tem se modificado ao longo do tempo e, o principal agente dessa mudança, é o conhecimento científico que se encontra invariavelmente atrelado à tecnologia. Na idade média, a tecnologia e o conhecimento científico limitados permitiam poucos parâmetros de avaliação e consequentemente as doenças eram identificadas apenas pelos seus sinais e sintomas mais evidentes como febre e lesões na pele como por exemplo a febre (peste) negra e a lepra. Logo é fácil perceber que o diagnóstico era limitado às evidências físicas encontradas, de modo que o diagnóstico clínico era basicamente a mesma coisa do diagnóstico físico. Abordarei mais adiante as diferentes modalidades de diagnóstico.

Talvez, o grande marco da tecnologia na medicina tenha sido o aprimoramento do termômetro por Sanctorius de Santorii um médico fisiologista italiano que, no período da Renascença européia, se tornou obcecado pela idéia de medir os fenômenos biológicos no corpo humano, chegando a medir todo o peso de sólidos e líquidos ingeridos e eliminados por ele ao longo de trinta anos! Posteriormente, o termômetro permitiu pela primeira vez  estabelecer os parâmetros de saúde e doença com base na mensuração da temperatura do corpo, dando início a era experimental da medicina.

No século XIX, outro invento entrou de vez na história da medicina: o estetoscópio. Até hoje é um símbolo do profissional médico. Essa tecnologia permitiu a ampliação da capacidade humana de perceber fenômenos biológicos, ampliou a capacidade do médico de “escutar”, que passou a poder auscultar os batimentos e murmúrios cardíacos e sons de outros órgãos internos e, mais uma vez, os conceitos de saúde e doença precisaram ser reajustados. Por exemplo: se antes do estetoscópio, um paciente com problemas cardíacos que não apresentasse sintomas poderia passar anos com a doença não diagnósticada, com o estetoscópio, um médico poderia perceber a alteração de forma precoce, determinando um diagnóstico com base em um parâmetro obtido através de um instrumento de avançada tecnologia para a época.

Fases de Diagnóstico

Bom, com o avanço da ciência e da tecnologia atual, temos diferentes fases de diagnóstico:

  • Diagnóstico de pressuposição, que começa a ser formulado no momento da entrevista inicial com o paciente, a chamada anamnese;
  • Diagnóstico físico, que ocorre após os exames físicos fundamentais;
  • Diagnóstico por imagem, que teve início com chamados exames complementares, tais como as radiografias, tomografias e ressonância magnética;
  • Diagnóstico laboratorial, que ampliou as fronteiras do conhecimento do estado de saúde e doença de órgãos e tecidos e que avança no campo da genética e biologia molecular;
  • Diagnóstico etiológico, que é quando se consegue detectar a causa de um determinado problema;
  • Diagnóstico diferencial, que é quando se afasta doenças com sintomas parecidos, depende em grande parte dos recursos tecnológicos atuais;
  • Diagnóstico de certeza, que é quando se encontra uma série de evidências ou mesmo provas de alguma condição de doença que não deixa dúvidas;
  • Diagnóstico clínico, que infelizmente é confundido com diagnóstico físico pela grande maioria dos profissionais de saúde. A melhor definição para diagnóstico clínico que já encontrei, foi a de Pedro Laín Entralgo, um médico espanhol do Séc XX, que pode ser lida abaixo:

O diagnóstico clínico é a somatória de todos os elementos de diagnósticos, os quais nem todos se obtém ao lado da cama do paciente.

Dr. Pedro Laín Entralgo

Hoje sabemos muito mais que Sanctorius sabia na Renascença  e que Laennec, quando inventou o estetoscópio. Por isso, vale a pena refletir em uma série de perguntas:

  • Por que então ignorar todos os recursos atuais e fazer um diagnóstico apenas de pressuposição e físico, que mais lembra a idade média?
  • Devemos deixar os pacientes sem um diagnóstico adequado, porque simplesmente achamos que temos todas as informação com apenas o exame físico e a anamnese?
  • E pré-julgar as possibilidades futuras com a indagação que escuto sempre nessas situações: “Em que isso mudaria o tratamento?” ?

Diagnóstico e Patologia da ATM

A tecnologia tornou capaz visualizar as estruturas internas da ATM através de ressonância magnética sem ter que abrir cirurgicamente o paciente. Sistemas eletrônicos de eletromiografia e magnetografia computadorizadas evoluíram a tal ponto que permitem estudar o funcionamento e monitorar a terapêutica estabelecida. Os avanços em genética e exames laboratoriais permitem rastrear a causa de variadas possibilidades de diagnóstico diferencial e todas essas possibilidades estão ao alcance dos profissionais que realmente querem se aprofundar em PATOLOGIA DA ATM, então por que não usá-los?

Como mostrei aqui em outra postagem, a avaliação com base apenas na anamnese e no exame físico, com frequência, subestima ou superestima o situação real do paciente e, por isso, em termos de patologia (derivado do grego pathos, sofrimento, doença, e logia, ciência, estudo = estudo da doença) precisamos complementar e ir mais a fundo no problema! É fundamental buscar identificar através do diagnóstico completo e diferencial qual artropatia (doença que afeta a articulação) afeta a ATM do paciente.

Ressonância magnética de uma ATM com lesão infecciosa

Ressonância magnética de uma ATM com lesão de origem infecciosa (estreptococos beta-hemolítico)

Seqüela traumática no côndilo mandibular vista em uma tomografia hopocicloidal

Sequela traumática no côndilo mandibular vista em uma tomografia hipocicloidal

Se confundirmos uma artropatia infeciosa com uma de origem traumática, o tratamento dificilmente poderá dar certo!!! Por esses e outros motivos é que neste portal, normalmente falaremos de Patologia da ATM, de investigação da doença, e não apenas de disfunção da ATM (DTM), uma vez que normalmente se associa a expressão disfunção da ATM à presença ou ausência da DOR apenas, quando sabemos que muitas outras coisas, além da dor, podem ser consequências de enfermidades na ATM.