Com frequência recebo perguntas sobre dúvidas de internautas querendo saber se o tratamento ortodôntico ou uma placa resolve a “disfunção da ATM” ou se precisa fazer uma cirurgia. Algumas vezes já informam que a dor é insuportável e os remédios já não fazem mais efeito… Outras o internauta não tem dor (ou é de pouca intensidade) mas possui estalos, travamentos ou outros desconfortos. Portanto, decidi criar um tópico com uma resposta dividida em quatro itens que respondem boa parte dessas dúvidas: 1) o sintoma dor; 2) os danos às estruturas articulares e 3) as consequências e 4) as causas do problema.

1) A DOR

A dor é um sintoma subjetivo, que sofre influência de outras coisas, como o estresse, estilo de vida, variação hormonal, etc. Portanto a dor não é um sintoma muito confiável para saber se a ATM está com problema ou não. Por exemplo, uma pessoa pode ter uma lesão na ATM que no dia a dia ela nem percebe, mas quando o estresse aumenta, a dor aparece e ela pensa que é o estresse é causa, quando na verdade ele apenas faz os sintomas aparecerem porque já existe algum problema…

De igual maneira, melhorar a dor não é sinônimo de resolver o problema, que pode ficar “silencioso” , enquanto a doença da ATM, ou simplesmente artropatia (esse é o nome usado para identificar os problemas por trás da disfunção da ATM) segue avançando com mais lesões nas estruturas internas e mais consequências além da dor, que discuto nos itens seguintes.

2) OS DANOS ESTRUTURAIS

A ATM é um articulação que possui muitas estruturas internas como ligamentos, disco (algo comparável ao menisco do joelho), cartilagens e osso. Qualquer dessas estruturas que estejam danificadas podem e irão produzir alterações no funcionamento, na oclusão, bem como na estrutura da face. Alguns exemplos de danos estruturais são:

Ressonância Magnética mostrando um processo degenerativo em um paciente com artrite reumatóide. De um lado há deslocamento do disco e do outro nem há disco sequer... Com esses danos estruturais, a posição da mandíbula muda e altera tanto a dentição como a face

  • deslocamento do disco com e sem redução;
  • “desgastes”, que na verdade são reabsorções ou erosões da superfície dos ossos da articulação;
  • processos degenerativos como as osteoartroses;
  • deformidades e alterações de posicionamento do côndilo mandibular, dentre outros;

Com a presença desses danos é comum ocorrer alterações da simetria, sinergia e força dos músculos mastigatórios, modificações da mastigação, desequilíbrio das forças que ocorre sobre os dentes que podem resultar não apenas em dor, mas também em problemas no esqueleto da face, ou seja, problemas esqueléticos craniomandibulares que nos levam ao próximo item.

3) CONSEQUÊNCIAS ALÉM DA DOR

Mordida aberta decorrente de processo degenerativo da ATM, com encurtamento do ramo mandibular e protusão da língua

Mordida aberta decorrente de processo degenerativo da ATM (encurtamento do ramo mandibular e protusão da língua).

Há várias alterações da face produzida por problemas na ATM.  Por exemplo,  um processo degenerativo mais acentuado de uma lado que do outro, pode deixar o queixo torto para um dos lados. Um crescimento exagerado de um dos lados, também vai deixar o queixo torto para o lado oposto. Processos degenerativos em ambos os lados podem produzir a chamada “mordida aberta”.  Deslocamento dos discos de ambas as articulações podem deixar o queixo menor e mais recuado que a arcada superior.  Várias dessas lesões combinadas podem produzir travamentos da mandíbula, desconfortos diversos e dificuldade de mastigar, luxação (a famosa “queda do queixo”).

Como se não bastasse, todos esses problemas são percebidos pelos “sensores” do sistema nervoso central, presente nas ATM´s, nos ligamentos que sustentam os dentes nos maxilares ( e também na mucosa da boca e na língua ) e podem produzir os mais diversos fenômenos, desde alterações musculares até irritação em diferentes áreas do cérebro importantes na regulação da dor, do humor e da emoção.  Todos esses problemas são estudados  e entendidos dentro de um contexto de neurofisiologia.

4) AS CAUSAS

Essas lesões estruturais podem ser causadas por diferentes fatores, como traumatismos, doenças sistêmicas, infecções, certos problemas dentários, dentre outras coisas que precisam ser investigadas, pois é esse tipo de informação que permite ao dentista saber como deverá ser planejado o tratamento do paciente, de maneira específica para um determinado tipo de artropatia.

JUNTANDO TODAS AS PEÇAS

TRATAMENTOS PARA A DOR – Agora fica fácil de entender que um tratamento que se concentra apenas em aliviar a dor, seja por acupuntura, psicologia cognitivo-comportamental, medicamentos para a dor, hipnose, exercícios forçados com a mandíbula, compressas térmicas (gelo, calor), etc. ,  atuam apenas no ALÍVIO dos sintomas, ou seja, é paliativo. Não corrige os danos estruturais,  não corrige as consequências além da dor, nem tampouco atua na causa do problema. Isso não quer dizer que essas técnicas não possam ser usadas, sim elas podem. Mas utilizar somente esse tipo de técnica, pode gerar um mascaramento do problema real e deixar o paciente subtratado. Esses recursos são excelentes como terapia auxiliares.

ORTODONTIA e REABILITAÇÃO ORAL  – O uso de aparelho ortodôntico pode

Paciente com desvio do queixo para o lado esquerdo devido a processo degenerativo acentuado do mesmo lado (esquerdo)

Paciente com 7 mm de desvio do queixo para o lado esquerdo devido a processo degenerativo acentuado na ATM do mesmo lado (esquerdo). Ela já havia sido tratada ortodonticamente, mas permaneceu com o queixo lateralizado e com o problema na ATM

alinhar os dentes ESTETICAMENTE, mas não atua nem no sintoma dor, nem na correção dos problemas estruturais da ATM, nem na causa,  mas podem atuar em algumas das consequências e o mesmo vale para próteses e implantes. Quando eu digo que não atua nem nas causas, sempre me perguntam se ao melhorar a mordida (a oclusão como os dentistas costumam chamar) as causas dentárias que mencionei anteriormente no item 4 não seriam também resolvidas?  Bom, a resposta é: NA MAIORIA DAS VEZES NÃO! Pois a ortodontia e a reabilitação oral  corrigem a oclusão baseadas em conceitos gnatológicos que não representam o estado de saúde da ATM. Sim, sei que muitos dentistas afirmam que ao corrigir a mordida ou colocar as próteses, muitos pacientes melhoram e isso é real. Eu concordo, em parte, com isso. Melhoram sim, mas melhoram por quê? Geralmente, como o dentista não tem recursos para medir o efeito biológico e funcional da ortodontia e da prótese em um paciente em específico, essas melhoras ficam mais ou menos ao acaso. Além disso, essa alegada melhora é da DOR, ou seja, do sintoma subjetivo que pode melhorar por outras razões, como remissão espontânea, regressão à média, flutuação da dor, mudanças no estado de humor e ansiedade, etc. Assim, ao fechar uma mordida aberta, ou corrigir uma mordida cruzada, ou construir próteses bem feitas, o dentista pode alinhar melhor os dentes e deixar a face mais harmônica e bonita e algumas vezes a dor pode até sumir temporariamente, Mas sem saber qual a causa original do problema e os efeitos funcionais, a artropatia pode seguir avançando e voltar a provocar as mesmas consequências, que é o que chamamos de recidiva.  Na ortodontia essa recidiva é muito comum, por exemplo, nas mordidas abertas, pois os côndilos podem seguir degenerando e voltam a tirar os dentes do lugar e na prótese, quando o paciente quebra seguidas vezes as peças protéticas, os dentes artificiais, ou mesmo passam a desgastar e destruir, involuntariamente, todo o trabalho feito.

CIRURGIA  DA ATM E ORTOGNÁTICA

Processo degenerativo desenvolvido um ano após cirurgia de reposicionamento do disco combinada com ortognática. O côndilo está bastante danificado (círculo) e o que restou do disco se encontra novamente fora do lugar (seta)

A cirurgia, tenta corrigir os danos estruturais articulares e também atua nas consequências esqueléticas craniomandibulares, mas não atuam nem causa nem no restabelecimento neurofisiológico da ATM. Também, salvo a artrocentese,  as cirurgias de ATM não atuam no controle do sintoma dor. Assim, sem saber o que causou a artropatia, aumenta-se o risco de ocorrer  sequelas ainda mais complicadas que o problema original. Imagine, operar uma ATM cuja origem do problema é uma condição autoimune… Por mais que corrija, a situação não irá se manter, pois existe um questão de ordem médica que precisa ser tratada.  Basta ver postagens aqui no blog que abordam  essas questões:

  • jornada de Abby, uma americana que já passou por muitas cirurgias e resolveu colocar a história dela em um blog.
  • Há também a Marilac que postou uma história impressionante aqui no blog
  • O posicionamento do próprio FDA americano (que é mais ou menos como nossa ANVISA) emitindo um parecer por conta da quantidade de problemas com prótese de ATM… Enfim, infelizmente essa é uma realidade.

O QUE FAZER?

Bom, aqui vai depender da formação de cada profissional. As recomendações internacionais são sempre no sentido de realizar um diagnóstico diferencial e tratar da forma mais conservadora possível para cada caso.  Para isso, existem profissionais que passaram por especialização em DTM e dor orofacial e atuam baseados nas escolas biopsicossocial e multifatorial, bem como há aqueles que optaram por fazer uma formação em patologia da ATM, que é o caminho que sigo.

Nesse tipo de abordagem, primeiro se realiza uma identificação das lesões estruturais, se faz uma avaliação da extensão dessas lesões bem como o quanto elas afetam o funcionamento muscular, a cinemática mandibular, os ciclos mastigatórios, a relação das lesões com os sintomas apresentados, investiga-se também as causas desses danos estruturais, bem como a diferenciação com relação a outras doenças que podem estar misturadas ao quadro e, por fim, se estabelece o plano de tratamento que irá atuar em todas essas questões de maneira a trazer saúde e restabelecer a neurofisiologia.

Em uma próxima postagem, irei abordar um pouco mais o diagnóstico e tratamento das artropatias temporomandibulares que estão por trás das disfunções da ATM.